“Apenas olhar para a droga é como olhar uma árvore sem
perceber o ecossistema do qual ela faz parte.”
O uso da droga é um comportamento que persiste enquanto desempenhar uma função para o indivíduo. Já a delinquência e a extensão do uso dessas substâncias aumentam, com a elevação do estádio de utilização.
Está diretamente associado a certas caraterísticas familiares que se interligam com o consumo de drogas por adolescentes. As pesquisas têm focalizado principalmente quatro aspetos: consumo de drogas pelos pais; qualidade da relação pais e filhos; personalidade e atitudes dos pais e a presença de problemas de relacionamento entre os pais.
Conclui-se que a efetiva supervisão e monitoramento, na meia infância, por pais ou responsáveis, provocam o retardamento ou mesmo a prevenção do início do uso de drogas. Ou seja, é necessário acompanhar os jovens além do período de risco para iniciação, o que significa cobrir toda a fase de risco para o desenvolvimento de problemas com drogas. Tanto porque, estudantes usuários de drogas ilícitas têm prejuízos no rendimento escolar, na qualidade da relação familiar, na saúde e revelam aumento de sintomas psicológicos. Comparados com os não-usuários, são mais propensos a práticas transgressoras e mais ativamente envolvidos com os pares e vivem em ambientes sociais nos quais outros jovens e mesmo parentes têm maior tolerância ao uso de drogas.
Segundo um estudo científico realizado, conclui-se que as drogas utilizadas com os pares (maior envolvimento com drogas, maior ligação grupal) e participação na delinquência são as maiores diferenças entre usuários e não-usuários; existe maior alienação da família e da escola no caso dos usuários; o uso de álcool e de cigarros pelos pais está mais relacionado com a utilização, pelos filhos, de drogas legalizadas; maior dificuldade de adaptação social como indicador de maior possibilidade de iniciação no uso de drogas, o que, por sua vez, incrementa o desajustamento; a aceitação do uso de drogas pelo grupo de iguais é o maior fator de motivação na evolução dos estádios de uso; falta de intimidade (proximidade) com os pais e problemas psicológicos, refletidos em sintomas depressivos, predizem a progressão do uso de maconha para o de outras drogas ilícitas.
De fato, existe uma correlação entre os dependentes e os seus familiares no que toca ao aumento de transtornos mentais, tais como depressão, alcoolismo e personalidade antissocial. Nas famílias de dependentes de drogas encontram-se altas taxas de alcoolismo, entre os pais, e de depressão, entre as mães. Pois que as mães deprimidas diferem das normais em termos de interação com os seus filhos, utilizam coerções, em vez de negociação; mostram-se mais reservadas e com menor expressão afetiva com as suas crianças que, por sua vez, procuram atenção.
As famílias cujos filhos se encontram abstinentes de drogas há dois anos ou mais apresentam maior estabilidade na composição, trajetórias e dinâmicas conjugais de pais e filhos. Evidenciam, pois, a importância de fatores intrafamiliares, como os educativos, no processo de dependência. Ou seja, é possível, através da circularidade, aumentar a informação e consciencialização da família acerca do seu funcionamento e dinâmica e contribuir para a efetivação de algumas mudanças relacionais, com impacto e consequências positivas no processo de tratamento.
Para além disso, são famílias mais flexíveis e menos tradicionais, referindo-se, ainda, maior coresponsabilização de homens e mulheres no desempenho de tarefas domésticas e cuidados aos filhos. Por sua via, as qualidades prioritárias a transmitir-lhes pressupõem geralmente valores mistos; no entanto, as posições mais flexíveis e participativas, que refletem valores menos tradicionais, na condução da vida privada e relações familiares, são mais benéficas. Por outro lado, apesar de uma perspetiva mais tradicional quanto à instituição casamento, pais e filhos são mais flexíveis e tolerantes, pondo menos restrições às opções e à liberdade individual, a par com um maior consenso dos pais, considerado determinante no tratamento.
Em oposição, famílias cujos filhos recaíram ou não conseguiram a abstinência, verifica-se que algumas mães preferem estilos educativos menos permissivos do que pais e filhos. Sendo o tempo de consumo destes filhos prolongado e, tendo estes mantido com as respetivas mães uma maior proximidade do que com os pais, em alguns casos, estas, por cansaço e frustração evoluem para atitudes menos flexíveis e mais normativas, o que é acompanhado por uma evolução dos pais no sentido inverso, o que corresponde a uma mudança de primeiro grau que, mantendo inalterável a estrutura do sistema, não facilita o sucesso do tratamento, mas a continuidade do consumo de drogas como um mecanismo substitutivo da equilibração do sistema familiar.
Por sua vez, a literatura apresenta evidências de que, quando a família participa no programa de tratamento, os resultados nos aspetos de adesão ao mesmo e na redução de recaídas são melhores, além de possibilitar a realização de um diagnóstico familiar mais completo. Considera-se, pois, determinante para o êxito da terapia os ajustamentos nos estilos educativos no subsistema parental. Isto é, deve ser valorizada a qualidade intrínseca da relação e da comunicação do casal em detrimento dos aspetos instrumentais.
Deste modo, o sucesso do tratamento é imprevisível e implica, para além da abstinência de drogas, transformações nos comportamentos dos sujeitos, dinâmicas e comunicação familiar, bem como a criação ou recriação de objetivos que confiram sentido à sua existência.
Testemunho de um pai: “(o consumo foi usado pelo) nosso afastamento e uma grande liberdade que lhe dávamos. Adquiriram uma certa autonomia, fruto da nossa maneira de pensar, achávamos que era bom para a educação deles.”
Clara Conde