Vivemos numa sociedade de abundância e onde a imagem exterior tudo conta para o destaque pessoal e profissional. Daí ser valorizado um corpo esbelto e o mais atrativo possível para assim se conseguirem alcançar os objetivos desejados. Em todas as revistas, e redes sociais em geral, figuram dicas para emagrecimento, exercícios físicos ajustados, planos dietéticos com a referência das calorias consumidas. Todo o adolescente, na fase de criação da sua identidade pessoal e sexual, tem acessibilidade a toda esta informação e, cada vez que consegue emagrecer, é valorizado não só pelos amigos como também pelos próprios familiares. A magreza está associada, nos tempos atuais, a beleza. No entanto há quem, uma vez alcançado determinado peso ideal, cesse os seus comportamentos dietéticos, e outros que continuam numa luta interminável por um peso sem limites mínimos. E daqui se encontra a fronteira que separa os hábitos dietéticos normais, da anorexia.
Esta doença afeta principalmente raparigas e mulheres jovens, dos 12 aos 25 anos de idade, sendo muito mais rara entre os rapazes.
A fome passa a ser uma constante e dela se obtém o mérito ansiado, isto é, a capacidade de um autocontrolo que abarca já as funções básicas e vitais do organismo. A par da redução de calorias, o exercício físico intensifica-se, os períodos de repouso são evitados e o sono noturno reduzido ao mínimo. E daqui, desta total centração na imagem e na alimentação, se obtém a satisfação e reconhecimento pessoal interno, sempre que a fome é mantida, fazendo perpetuar estes hábitos.
Até que chega o dia em que se perde esse controlo e se quebra o duríssimo regime, comendo-se muito mais do que aquilo que se permitia a si próprio. Este fenómeno é muitas vezes o princípio de uma série de crises de fome incontrolável: a anorexia transforma-se em bulimia. Assim, o vómito é induzido logo após a ingestão de grandes quantidades de comida, tendo em conta os quadros de referência hipocalóricos dos anoréticos. Também podem abusar de laxantes e assim voltar a sentir a suposta limpeza e esvaziamento do corpo. No entanto, tanto a bulimia se desenvolve em consequência da anorexia, como surge como uma doença independente.
Quais os sintomas da anorexia?
A fome e o desejo de responder ao ideal de beleza atual, levam a anorética a estabelecer para si própria regras cada vez mais rígidas, sendo que o seu peso oscila entre os 85% e 45% abaixo do peso ideal para a sua altura. O aumento de exercício físico tem como finalidade o consumo de calorias, produzindo até certo ponto um equilíbrio negativo, isto é, consumir mais calorias do que aquelas que se ingerem. Os comportamentos compulsivos de controlo da balança, da limpeza, do palpar constantemente certas áreas do corpo também são frequentes. A amenorreia (ausência de menstruação) é um sintoma típico manifesto de distúrbios hormonais, podendo originar osteoporose. Verifica-se uma descida da tensão arterial que induz tonturas e sensação de fraqueza, obstipação e prisão de ventre, hipotermia, pele seca, escamosa e sem elasticidade, unhas quebradiças e queda de cabelo, edemas, fraqueza muscular e dificuldade de concentração.
Quais os sintomas da bulimia?
Os pacientes bulímicos podem ter um peso demasiado baixo, normal ou demasiado alto. Apresentam acessos de fome descontrolada, vomitando de seguida, várias vezes por dia. Tal provoca, além dos sintomas supra enumerados da anorexia, ferimentos na garganta, problemas dentários (queda dos dentes, erosão do esmalte e cáries) e inflamações das glândulas salivares.
O que leva, então, certos jovens a adotar comportamentos anoréticos/bulímicos e outros não?
É necessário todo um conjunto complexo de circunstâncias para transformar uma jovem adepta de curas de emagrecimento numa anorética ou numa bulímica. Os fatores biológicos, familiares e socioculturais são determinantes.
No que toca à dinâmica familiar, a maior parte dos doentes que sofrem de distúrbios alimentares provém de famílias aparentemente sãs, cujo estilo de vida se orienta com base em convenções, sentido de dever, conceitos de eficácia e de moral. Os desentendimentos são silenciados e as emoções não são valorizadas. Categoricamente, o pai assume o papel de sustento da família, não admitindo que o questionem e a mãe dedica-se por inteiro às suas múltiplas tarefas. O exemplo de uma vida cheia de deveres, renúncia e abdicação de si mesma, dado pela mãe, provoca em muitas jovens o receio de crescer e se tornar igual.
Relativamente às caraterísticas de personalidade das futuras anoréticas, têm tendência a procurar alcançar sempre o máximo de perfeição e eficiência, já que anseiam por reconhecimento. Sentem-se responsáveis pela felicidade e bom ambiente familiar, dada o profundo sentimento de gratidão e a relação simbiótica que normalmente estabelecem com a mãe, que encerra uma pressão no sentido de o erro não ser permitido. Assim, na limitação da liberdade, fica impedido o desabrochar individual correspondente à sua idade. Tudo fazem, assim sendo, para agradar o outro como forma de compensar a sua baixa autoestima e aparentar a segurança desejada.
Tratamento da Anorexia/Bulimia
Tanto a anorexia como a bulimia são doenças graves do foro psíquico. Qualquer cura passa necessariamente pela psicoterapia, tanto mais prolongada, quanto mais complexo for o problema. Assim, quatro pontos se tornam fundamentais trabalhar neste processo: identificar a função desempenhada pela anorexia (ou seja, o que faz perpetuar os atos anoréticos/bulímicos), perceber a história da evolução da doença, na procura da essência do problema, a transmissão da convicção que têm o direito à privacidade e a assumirem-se como únicas e a construção de uma forma, mais realística, de encarar a vida.
No entanto, a primeira fase de qualquer processo psicoterapêutico em geral é o reconhecimento do problema, por mais doloroso que seja admiti-lo. Se as perturbações alimentares se associam a um vazio afetivo, há que procurar causas e encontrar soluções saudáveis para impedir um bloqueio de desenvolvimento físico, cognitivo, emocional e social numa fase de transição, tão crucial na vida dos jovens.
Clara Conde