Na atualidade encontramos uma grande diversidade de modelos familiares, entre os quais a configuração familiar homoparental. Por famílias homoparentais entende-se dois pais ou duas mães com filhos provenientes de relações heterossexuais anteriores, apenas um pai ou mãe homossexuais e respetivos filhos, a casais homossexuais que adotaram uma criança ou que recorreram a métodos como a inseminação artificial para gerar uma criança. Em Portugal estima-se que o número de pessoas homossexuais com filhos varie entre os 3% e os 10%. A discussão do projeto lei nº 278 XII, que prevê a possibilidade de co-adoção por casais do mesmo sexo traduziu-se, na arena pública e social, num conjunto de perguntas sobre estas realidades familiares, para as quais é necessário procurar respostas.
A maior parte das evidências científicas sugerem que, tal como os heterossexuais, a maior parte dos homossexuais (masculinos ou femininos) desejam relações românticas duradouras e estáveis. Tal como os casais heterossexuais, os homossexuais têm, na realidade, relações a longo-prazo, estáveis e comprometidas.
Por sua vez, mais importante para as crianças do que o género dos pais é a qualidade das interações diárias e a força das relações entre os pais. No que diz respeito à diferença entre géneros, a criança construi uma noção desta diferença entre os sexos através das suas relações sociais alargadas, uma vez que os modelos de feminino e masculino não se restringem apenas às figuras físicas de pai e de mãe. De fato, as famílias homoparentais femininas apresentam níveis superiores aos das famílias heterossexuais em várias competências parentais, como a vigilância parental, preocupação, resolução de problemas, disponibilidade, respeito pela autonomia dos filhos e qualidade da vinculação e interação progenitor-criança. As famílias homoparentais apresentam também maior equidade no que diz respeito à divisão do trabalho doméstico e profissional, às tarefas de cuidado das crianças, às tarefas domésticas e processos de tomada de decisão, assim como à participação em atividades com os filhos.
As crianças educadas em contexto homoparental desenvolvem-se, assim, tão bem como os seus pares em termos psicossociais. Os filhos das famílias homossexuais femininas ou de mães solteiras demonstraram níveis mais baixos de depressão, ansiedade, hostilidade e abuso de álcool do que os filhos dos casais heterossexuais. Os primeiros apresentaram ainda níveis mais elevados de autoestima, competência académica e sentido de humor. De igual modo, as crianças demonstraram uma competência académica aceitável, uma competência social média, um bom conhecimento sobre os papéis de género, um bom ajuste emocional e comportamental, valores de autoestima médios-altos e uma aceitação grupal razoável.
As crianças de famílias homoparentais gozam de uma aceitação média por parte dos seus colegas da escola e possuem relações de amizade muito satisfatórias. Estes resultados apoiam a ideia de que as relações e os processos intrafamiliares são preditores mais importantes das relações com os pares do que as variáveis estruturais como o tipo de família. Contudo, a vida está mais facilitada (menos discriminação homofóbica e maior ajustamento psicológico) para as famílias homoparentais e respetivos filhos nos países em que existe um clima de tolerância e aceitação da homossexualidade. Esta estigmatização embora esteja associada com mais problemas de comportamento nos adolescentes, a compatibilidade familiar (o ambiente de amor, cuidado e apoio das mães) neutralizava a influência negativa. Os resultados do estudo indicam que os adolescentes que têm uma relação próxima e positiva com as suas mães homossexuais demonstram resiliência na resposta ao estigma, sendo igualmente importante o apoio social como uma estratégia de coping. Logo, é o preconceito dos outros, e não as suas próprias características pessoais ou familiares, que causa mais sofrimento às crianças.
Entre as influências ambientais possíveis, crescer numa família homoparental pode alargar as possibilidades de identificação sexual das crianças, uma vez que os pais homossexuais e as mães homossexuais têm menor probabilidade de estigmatizar as relações homossexuais e estão mais abertos a discutir assuntos relacionados com a sexualidade. Logo, os filhos de famílias homossexuais femininas apresentavam maior probabilidade de explorar relações do mesmo sexo, no entanto, um conjunto de investigações sugere que a orientação sexual das crianças não depende da orientação sexual parental.
Por fim, crianças de pais homossexuais são menos propensas a serem vítimas de abuso físico ou sexual pelos pais. Para além de serem igualmente bons pais, os pais homossexuais também apresentam estilos parentais e vivem experiências de parentalidade muito semelhantes às dos pais heterossexuais. Pais do mesmo sexo reportavam uma melhor relação com os filhos do que os pais heterossexuais, não pela sua orientação sexual, mas sim pelo seu género. Famílias homoparentais representam, comparativamente a outros grupos familiares, a estrutura como o indicador mais elevado de qualidade do contexto familiar, revertendo essa qualidade em favor do desenvolvimento psicoafectivo das crianças.
Conclusões: Os resultados das investigações psicológicas apoiam a possibilidade de co-adoção por parte de casais homossexuais, uma vez que não encontram diferenças relativamente ao impacto da orientação sexual no desenvolvimento da criança e nas competências parentais. As crianças e adolescentes de famílias homoparentais não diferem significativamente das crianças e adolescentes de famílias heteroparentais no seu bem-estar, assim como em nenhuma dimensão do desenvolvimento psicológico, emocional, cognitivo, social e sexual. Um desenvolvimento saudável não depende da orientação sexual dos pais, mas sim da qualidade da relação entre pais e filhos e dos vínculos de afeto seguros que se estabelecem entre eles. Não existe fundamentação científica para afirmar que os pais homossexuais não são bons pais com base na sua orientação sexual. Pelo contrário, aquilo que as evidências científicas acumuladas sugerem é que os homossexuais, tal como os heterossexuais, possuem as competências parentais necessárias para educar uma criança, podendo oferecer-lhe um contexto familiar afetuoso, saudável e potenciador do seu desenvolvimento. Deste modo, parecer haver convergência na comunidade científica sobre o facto da configuração familiar (seja ela homoparental ou heteroparental) não ser um aspeto determinante para o desenvolvimento das crianças, mas sim a dinâmica relacional familiar. O fundamental é que o contexto familiar ofereça afeto e comunicação, seja sensível às necessidades da criança, viva de modo estável e impondo normas adequadas, no seio de relações harmoniosas. Se estas funções parentais forem cumpridas, a orientação sexual dos pais, em si mesma, não parece ser a variável mais relevante quando se tem de determinar o modo de construção do desenvolvimento psicológico das crianças.
Críticas aos estudos: As evidências científicas que já existem sobre o desenvolvimento de crianças filhas de pais e mães homossexuais são válidas e não suportam a discriminação legal contra a homoparentalidade. Se crescer com pais homossexuais fosse tão catastrófico para as crianças até os estudos baseados em amostras pequenas e não representativas já o teriam demonstrado. A maior parte das amostras analisadas é constituída por participantes caucasianos, de nível económico médio ou alto, provenientes de centros urbanos e com elevado nível educacional, o que impõe alguns limites à generalização das conclusões para a população homossexual mais amplamente considerada.
Clara Conde