A infertilidade é uma das mais difíceis experiências da vida de um casal, uma notícia que abala os alicerces do relacionamento, envolvendo não só um novo estatuto – ter de lidar com o desejo e dificuldade de ter filhos e constituir família – mas toda a rede relacional, como a família de origem e os amigos, que esperam que o casal gere filhos.
A infertilidade mobiliza em particular, a mulher, de tal maneira que o assunto tende a dominar a sua mente. Querendo ou não, o tratamento invade a sua vida e é importante, nesse momento, conseguir vê-la com perspetiva para não se esquecer dos papéis que desempenha e poder usufruir a feminilidade noutros aspetos; afinal, a maternidade é um ponto importante da vida de uma mulher, mas não é e não significa toda a dimensão da vida. Essa articulação, esse balanceamento de pensamentos, previnem a sensação de aprisionamento que afeta a sua autoestima.
Deste modo, a experiência de viver a infertilidade, de lutar pelo nascimento de um filho, obriga a mulher a vivenciar a angústia de uma situação extrema, onde não se tem o controlo exato do que vai acontecer.
De fato, no processo de intervenção médica para tratar a infertilidade, sente uma grande pressão para continuar o tratamento, até que chegue a um resultado “bem sucedido”, ou até que todas as opções se esgotem. Parece haver uma fase em que não é possível dizer “não” ao filho biológico, ou seja, a fase de resistência. Ganha força a tentação de se agarrar, o mais rapidamente possível, à solução oferecida pela ciência, que cria expetativas irreais, potencializando o stress. Os sintomas mais frequentes são mal-estar, sensação de desgaste físico, cansaço, sensibilidade emotiva excessiva e irritabilidade. Nesta fase, a mulher aprende a lidar com as suas tensões, eliminando os seus sintomas e prevenindo o surgimento de comprometimentos físicos ou psicológicos advindos do stress, como é o caso da ansiedade. É neste momento que os casais se unem para diminuir o stress da situação, mas não deixam espaço para o aparecimento das questões pessoais e inconscientes, o que serve como um mecanismo de defesa para aumentar as suas forças e tentar canalizar a energia para uma só meta – o tratamento médico.
Na fase de quase-exaustão, as mulheres já começam a apresentar comprometimentos físicos ou psicológicos, porém ainda não tão graves como na fase de exaustão. Neste estádio, além do surgimento de doenças como a hipertensão arterial, problemas dermatológicos prolongados, sintomas gástricos, elas apresentam ainda depressão clínica, raiva, ansiedade, angústia, apatia e hipersensibilidade emotiva.
Estas fases dependem da duração dos protocolos diagnósticos e tratamentos, precipitando sintomas psicológicos em 25% a 60% das pessoas inférteis, sendo de maior frequência a ansiedade e a depressão, além da raiva, frustração, isolamento familiar/social e dificuldades sexuais. A ansiedade costuma surgir em decorrência da natureza stressante dos tratamentos e do medo de não conceber, estando a depressão mais frequentemente associada ao resultado negativo do tratamento.
Em relação aos fatores de risco, a investigação diagnóstica e o desconhecimento da causa da infertilidade provocam maior ocorrência de stress. Assim, as mulheres inférteis tendem a reagir com maior intensidade de ansiedade perante situações adversas. Contudo, as que se submetem à inseminação artificial, os resultados apontam que quanto maior o nível de ansiedade, menor a probabilidade de engravidar. Portanto, é importante considerar a dinâmica psíquica dos casais submetidos ao tratamento, tendo em vista que os níveis de ansiedade e tensão emocional são elevados. Ou seja, antes de engravidar, uma série de processos de natureza biológica, psicológica e sociocultural mobilizados na vida da mulher, facilitarão para que haja ou não gravidez.
Dentro da dinâmica dos processos socioculturais, observa-se que os casais apresentam, normalmente, vínculos mal elaborados com a família de origem. Assim, o filho desejado remete-nos à forma como fantasiamos termos sido desejados e concebidos. No decorrer da vida os conteúdos inconscientes passam a atuar nos processos da vida, gerando sofrimento. É importante ressaltar que alguns laços afetivos, se não elaborados, podem-se tornar nós efetivos e, como tal, impedirem a fluidez do que supostamente se deseja.
Outro aspeto importante a ser considerado na vida da mulher infértil é a dificuldade e o incómodo em lidar com o seu grupo social, onde as conversas e perguntas sobre bebés são constantes, podendo gerar sentimentos de inveja. No entanto, isolar-se é mais uma dor dentro desse difícil percurso. Conversar, por seu turno, enriquece a experiência, alivia e faz a pessoa reconhecer sentimentos e sensações intensos que a infertilidade provoca. Logo, é fundamental o casal compreender a reação de cada um perante o problema, e quanto mais puderem conversar e entenderem a sua posição, mais oportunidades terão de ser cúmplices nesta difícil experiência. O diálogo ajuda a pensar novas maneiras de conduzir a própria vida, legitimando desejos e reforçando a perspetiva de quais são as possibilidades ou impossibilidades. Assim, o casal cria maneiras novas para decidir a sua história futura.
Já no homem, a infertilidade é vivida de forma distinta das mulheres. São comuns os sentimentos de desvalorização, enquanto permanecem calados, sofrendo, projetando a sua frustração noutras questões, sem conseguir espaço para legitimar a sua dor. A demonstração de força, de virilidade, de capacidade de continuar a descendência da família é um ponto que demonstra como a infertilidade atinge a identidade masculina, e o homem sofre tanto com as suas próprias expetativas, como com a questão moral.
Assim sendo, perante este cenário de perdas, lutos, fantasias e expetativas, as intervenções psicológicas devem ocorrer a dois níveis: a avaliação psicológica no início do tratamento, com o objetivo de identificar de forma preventiva os problemas de desajustamento emocional, possibilitando assim, o encaminhamento ao atendimento psicológico específico e o apoio psicológico durante e após cada intervenção médica, para propiciar as condições de valorização da experiência vivida, de forma que o casal possa atingir a maturidade emocional, através do desenvolvimento de estratégias adaptativas diante dos sintomas apresentados.
Testemunho:
Antónia sente que as suas economias já foram todas gastas em tentativas de reprodução assistida. Agora encontra-se num tratamento no serviço público, mas sem previsão para ser chamada. Relata desgaste na relação conjugal, quase ocorrendo uma separação. Para ela, não ter um filho é vergonhoso, uma demonstração de incompetência. Sente-se muito ansiosa. O diagnóstico dos médicos de que agora está a ovular com menos qualidade, incomoda-a. Diz que o marido é muito bom e tem muita paciência. A adoção parece não estar nos planos dele. Antónia não quer ceder ao tempo, não quer desistir daquilo que o tempo mostra como cada vez mais difícil. A relação amorosa pode desestabilizar, pode colocar-se economicamente em risco, pode até se submeter a um tratamento sobre o qual pouco controlo tem, mas persiste. Afinal, ela não pode ser impotente.
Clara Conde